quarta-feira, 27 de abril de 2016

Difícil fotografar o silêncio...





Entretanto tentei. 
Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. 
Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. 
Eu estava saindo de uma festa,.
Eram quase quatro da manhã. 
Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. 
Preparei minha máquina.

O silêncio era um carregador?

Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. 
Preparei minha máquina de novo. 

Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. 
Fotografei o perfume. 
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.

Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. 

Fotografei o perdão. 
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. 
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. 
Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – 
seu criador. 

Fotografei a nuvem de calça e o poeta. 
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.

A foto saiu legal.


Manoel de Barros



foto Marta Albuquerque

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Rimas Solta

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Meditação à Beira de um Poema


Podei a roseira no momento certo

e viajei muitos dias,

aprendendo de vez
que se deve esperar biblicamente
pela hora das coisas.
Quando abri a janela, vi-a,
como nunca a vira,
constelada,
os botões,
alguns já com o rosa-pálido
espiando entre as sépalas,
jóias vivas em pencas.
Minha dor nas costas,
meu desaponto com o limite do tempo,
o grande esforço para que me entendam
pulverizaram-se
diante do recorrente milagre.
Maravilhosas faziam-se
as cíclicas perecíveis rosas.
Ninguém me demoverá
do que de repente soube
à margem dos edifícios da razão:
a misericórdia está intacta,
vagalhões de cobiça,
punhos fechados,
altissonantes iras,
nada impede ouro de corolas
e acreditai: perfumes.
Só porque é setembro.

Adélia Prado


quinta-feira, 21 de abril de 2016

Notas sobre ela:


ela é
força da natureza
uns admiram
outros temem
pois todos sabem
que uma força da natureza
não pode ser
controlada
Zack Magiezi



sexta-feira, 15 de abril de 2016

Notas sobre ela








O tempo passou 
metas foram alcançadas 
o coração já foi reconstruído inúmeras vezes. 
A mulher brotou cresceu 
mas os olhos ficaram intactos. 
Ela ainda sabe olhar tudo com o olhar de uma criança que fica deslumbrada com os detalhes da vida.

Zack Magiez



Livia Rabelo - minha filha
foto Marta Albuquerque
               

terça-feira, 5 de abril de 2016

E olho para as flores e sorrio...


E olho para as flores e sorrio... 
Não sei se elas me compreendem 
Nem sei eu as compreendo a elas, 
Mas sei que a verdade está nelas e em mim 
E na nossa comum divindade 
De nos deixarmos ir e viver pela Terra 
E levar ao solo pelas Estações contentes 
E deixar que o vento cante para adormecermos 
E não termos sonhos no nosso sono. 

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXXVI" 
Heterónimo de Fernando Pessoa 

fotos Marta Albuuueurque