sexta-feira, 27 de maio de 2011

Formoso é o Fogo


Formoso é o fogo e o rosto
da amada junto a ele.
No lume de seu corpo
tudo em redor clareia..
Depois o que era fogo,
é espuma que se alteia.
E o mundo se faz novo
nas curvas da centelha.
Já não existe esboço,
mas desenhos, e teimam
— unos e justapostos.
Já não existe corpo:
são almas que se queimam
no amor de um mesmo sopro.

Carlos Nejar

quinta-feira, 19 de maio de 2011

HOJE NO NEVOEIRO

                                                                                                                            Gramado - março 2011
Queria ver mais longe
mais adiante
e as árvores recortar;
queria, mesmo aqui, e neste instante
ver uma andorinha no beiral poisar;
queria visualizar
ao fundo o casario
encher as pupilas de azul
alimentar estes olhos gulosos
do horizonte e do mar bravio
e de minúsculos seres em gestos caprichosos;
queria ver ao longe o seu andar
a formosura que a traz enfeitada
a cor das vestes, a perna torneada
num pescoço airoso o prateado fio;
queria captar tudo em meu redor
e redesenhar o ângulo sedutor
das pessoas no seu gesticular…
Para lá da minha janela
qual aguarela
tudo isto eu queria
mas hoje, durante todo o dia
o nevoeiro adensou-se
e teimou em ficar.

(Mário Matta e Silva)





 

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O NÁUFRAGO






Gestos inúteis que não deixam traços
Faço, e as ondas me afogam no seu seio.
Uma parece que me parte ao meio,
Outra parece que me arranca os braços.
Sinto o corpo quebrado de cansaços,
E num exausto, sufocado anseio,
Sem ter a que amparar-me, cambaleio,
Sem ter onde pisar, falseio os passos.
Minha tristeza mede-se por léguas
Que venço, não em terra, mas nadando
No caminho do mar que não dá tréguas,
Batendo-me de peito contra mágoas,
Sôfrego, trôpego, gesticulando,
Como um náufrago em vão se agarra às águas...

Dante Milano



                                
                                                                                                                                                               Porto de Galinhas PE - 8/01/2011

domingo, 8 de maio de 2011

Mãe

 Tem bicho mais estranho do que mãe?
Mãe é alma contraditória.
É alegria no choro.
É carinho na raiva.
É o sim no não.
Só mãe mesmo pra ser o oposto...
E depois o contrário de novo.
Vai ver que é porque filho não vem com manual de instrução. e pra conduzir as crias no mundo, ela usa só de intuição, pra tentar fazer tudo direito.
Mas como pode ser assim, tão incoerente?
Ela diz:
Filho, você não come nada...
E logo se contradiz:
Para de comer, que eu tô botando o jantar!
E aí ela lamenta:
Ai, que eu não vejo a hora desse menino crescer!
Mas logo se arrepende:
Deixa que eu faço, você ainda é uma criança...
E quando ela manda:
Tira essa roupa quente, menina!
E logo em seguida:
Veste o casaco, quer pegar um resfriado?
Esse menino dorme demais...
Esse menino não descansa...
Essa menina vive na rua!...
Filha, sai um pouquinho, vai pegar um sol...
Pois é, gente, que pessoa é essa que jura que nunca mais...
E no momento seguinte promete que vai ser pra sempre?
Essa pessoa é assim mesmo:
Igual e diferente de tudo o que a gente já viu.
É a fortaleza que aguenta o tranco, só pra não ver o filho chorar.
É o sorriso de orgulho escondido, só pra não se revelar.
Mãe dá uma canseira na gente.
E às vezes tira do sério...
 

Até que um dia a gente se depara com uma ausência insuportável:
É a mãe que vai embora, deixando um vazio enorme, escuro, silencioso.
E aí descobre que, mesmo errando, ela sabia de tudo, desde o início.
E fez de tudo pra acertar.
Porque criar filho não tem regra - é doação e amor simplesmente.
Então, se você tiver privilégio de abraçar sua mãe nesse segundo domingo de maio, agradeça, porque o presente é seu. E esteja certo:
Mesmo sem manual de instrução, ela continua aí, atrapalhada, contraditória...
Mas com o olhar atento, querendo entender como você funciona.
E fazendo de tudo pra você não falhar.


Feliz dia das mães!


Texto Lena Gino

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Enchente

Várzea  PE - maio 2011
Várzea PE - maio 2011
 Vila Miguel Arraes coberta pelas águas do RioCapibaribe
As crianças se divertem, enquantos os moradores, observam preocupados, os estragos feito pelas águas.

Enchente
(Cecília Meireles)
Chama o Alexandre!
Chama
Olha a chuva que chega!
É a enchente.
Olha o chão que foge com a chuva..
Olha a chuva que encharca a gente.
Põe a chave na fechadura.
Fecha a porta por causa da chuva,
olha a rua como se enche!
Enquanto chove, bota a chaleira
no fogo: olha a chama! olha a chispa!
Olha a chuva nos feixes de lenha!
Vamos tomar chá, pois a chuva
é tanta que nem de galocha
se pode andar na rua cheia!  

   
                                                                                                                                                                                                                                                          
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terça-feira, 3 de maio de 2011

A Idade de Ser Feliz

outubro - 2010
Existe somente uma idade para a gente ser feliz,
somente uma época na vida de cada pessoa
em que é possível sonhar e fazer planos
e ter energia bastante para realizá-las
a despeito de todas as dificuldades e obstáculos.

Uma só idade para a gente se encantar com a vida e viver apaixonadamente
e desfrutar tudo com toda intensidade
sem medo, nem culpa de sentir prazer.

Fase dourada em que a gente pode criar
e recriar a vida,
a nossa própria imagem e semelhança
e vestir-se com todas as cores
e experimentar todos os sabores
e entregar-se a todos os amores
sem preconceito nem pudor.

Tempo de entusiasmo e coragem
em que todo o desafio é mais um convite à luta
que a gente enfrenta com toda disposição
de tentar algo NOVO, de NOVO e de NOVO,
e quantas vezes for preciso.

Essa idade tão fugaz na vida da gente
chama-se PRESENTE
e tem a duração do instante que passa.

(autor desconhecido)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Conquista

Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.

Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!

Miguel Torga

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
      
Gramado - março 2011

domingo, 1 de maio de 2011

Aninha e suas pedras

Gramado março 2011
Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

(Cora Coralina)







Fotografia e Poesia: À Beleza

Fotografia e Poesia: À Beleza: " Não tens corpo, nem pátria, nem família, Não te curvas ao jugo dos tiranos. Não tens pr..."

À Beleza

                                                 Lago Negro - Gramado março2011
                                                Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Não te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.
És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.
És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.
És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.
És a beleza, enfim. És o teu nome.
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço...
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço.

Miguel Torga, in 'Odes'


Aff... Como o poeta descreve a beleza com perfeição!