quarta-feira, 27 de abril de 2016

Difícil fotografar o silêncio...





Entretanto tentei. 
Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. 
Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. 
Eu estava saindo de uma festa,.
Eram quase quatro da manhã. 
Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. 
Preparei minha máquina.

O silêncio era um carregador?

Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. 
Preparei minha máquina de novo. 

Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. 
Fotografei o perfume. 
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.

Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. 

Fotografei o perdão. 
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. 
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. 
Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – 
seu criador. 

Fotografei a nuvem de calça e o poeta. 
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.

A foto saiu legal.


Manoel de Barros



foto Marta Albuquerque

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